O humorista brasileiro Murilo Couto disse ter sido brigado a cancelar uma apresentação em Maputo, Moçambique, após ser retido no aeroporto junto de seu grupo, Tons de Comédia, composto pelo angolano Gilmário Vemba e pelo português Hugo Souza. O episódio aconteceu neste domingo, 20.
“Infelizmente não vamos conseguir fazer o espetáculo. Estamos aqui desde as 14h (locais) e ainda não temos um deferimento do que será o nosso destino a partir daqui”, disse Gilmário Vemba em um vídeo veiculado no Instagram do grupo. O trio afirmou não saber o motivo do impedimento e, devido a isso, optaram por cancelar o show.
Os humoristas desembarcaram na capital moçambicana acompanhados do agente Pedro Gonçalves, da produtora Showtime. Na noite anterior, o grupo havia se apresentado em Luanda, Angola.
De acordo com o jornal português Público, o trio foi abordado pelas autoridades locais antes de chegar ao balcão de imigração. Um agente teria solicitado os passaportes de cada um, afirmando que seria concedida prioridade em decorrência da proximidade do show. No entanto, ao chegarem na imigração, foi solicitado que entregassem o “visto de atividades culturais”.
Segundo o grupo, somente Murilo havia solicitado o documento, uma vez que Gilmário e Hugo teriam isenção de visto para entrar em Moçambique. Para obtenção da permissão, o brasileiro deveria apresentar o comprovante de estadia em Maputo devidamente carimbado pelo hotel onde se hospedaria.
Em comunicado, o grupo afirmou que o “documento foi enviado (por Murilo) poucos minutos após a sua solicitação, nos dias anteriores à viagem, mas nunca houve qualquer resposta”. Os comediantes até tentaram pagar o visto no aeroporto, mas ouviram que era necessário que aguardassem. Momentos mais tarde, um representante da TAAG — Linhas Aéreas de Angola informou que a imigração solicitou a “devolução” da comitiva a Luanda.
Os humoristas só conseguiram falar com o responsável pela imigração após o cancelamento do show. Durante a conversa, foram informados que “em virtude de ordens superiores, não seria autorizada a entrada no país”, sem ser permitido sequer que passassem a noite em um hotel, uma vez que embarcariam para Lisboa nesta segunda-feira, 21.
Motivação política?
Para Dinis Tivane, assessor do político e ex-candidato presidencial moçambicano Venâncio Mondlane — que não reconhece os resultados das eleições gerais moçambicanas de 2024 –, o angolano Gilmário Vemba foi “impedido de entrar em Moçambique por expor as suas opiniões”. A declaração foi feita em uma publicação no Facebook, na noite de domingo.
O comediante angolano se encontrou com Mondlane no início de julho, em Lisboa. Na ocasião, a dupla exaltou “Anamalala”, expressão em língua macua — falada no norte de Moçambique — que significa “vai acabar”.
A expressão foi marca de Venâncio nas eleições gerais de 9 de outubro, e foi popularizada nos meses seguintes, em meio aos protestos convocados pelo presidenciável nos meses seguintes ao resultado das eleições. Antes do encontro, Gilmário já havia se apresentado em Moçambique, sem qualquer tipo de ocorrência semelhante.
Desde as eleições de outubro, o país viveu um clima de forte agitação social. Mondlane convocou manifestações e paralisações, rejeitando os resultados eleitorais que confirmaram a vitória de Daniel Chapo, da Frelimo, partido que detém o poder em Moçambique.
Segundo ONGs que acompanharam o processo eleitoral, cerca de 400 pessoas morreram em confrontos com a polícia. Os confrontos só cessaram após Mondlane e Chapo se encontrarem com o objetivo de pacificar o país nos dias 23 de março e 20 de maio.